25 de jan. de 2008

Você é hands on?


Por: Max Gehringer



Vi um anúncio de emprego. A vaga era de gestor de atendimento interno, nome que agora se dá à seção de serviços gerais. E a empresa contratante exigia que os eventuais interessados possuíssem - sem contar a formação superior, liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem hands on.


Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía mesmo essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: 800 reais. Ou seja, um pitico. Não que esse fosse algum exemplo absolutamente fora da realidade. Pelo contrário, ele é quase o paradigma dos anúncios de emprego atuais. A abundância de candidatos está permitindo que as empresas levantem, cada vez mais, a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser admitido. E muitos, de fato, saltam. E se empolgam.


E aí vêm as agruras da superqualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...


Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabianaconseguisse ser admitida como gestora de atendimento interno..


E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges, gerente da contabilidade:



  • Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.

  • In a hurry!

  • Saúde

  • Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês. Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?

  • E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?

  • O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.

  • Não, não... Cópias normais mesmo.

  • Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias que tiramos.

  • Fabiana, desse jeito não vai dar!

  • E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.

  • Como assim?

  • É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial energético.

  • Olha, neste momento, eu só preciso das três có...

  • Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...

  • Futuro? Que futuro?

  • É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não aconteceu nada.

  • Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!

  • Sei. Mas o senhor é "hands on"?

  • Hã?

  • "Hands on". Mão na massa.

  • Claro que sou!

  • Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.

Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:



  1. Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não têm as qualificações requeridas.

  2. E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.


Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível que um visitante desavisado que chegasse de repente confundiria nossa salinha do café com o auditório da Fundação Alfred Nobel.


Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!


Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas Fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha noções de informática e possuía energia e criatividade. Sem mencionar que estava fazendo pós-graduação. Só que não sabia nem abrir o capô.


Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de todos, ele falava "nóis vai" e coisas do gênero. Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida.


Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as empresas modernas torcem o nariz: O que é capaz de resolver, mas não de impressionar.


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